Por muito esclarecido que se seja, é inevitável que num momento ou outro se sinta medo. Pelo futuro, pelo presente, pelo passado. Desde que nascemos, é-nos incutida a importância de ter coisas, de ter pessoas ao nosso lado, de ter uma família. No entanto, ninguém nos prepara para a eventualidade podermos perder tudo aquilo pelo qual se lutou para atingir e ter. Quando nos incutem essas coisas, incutem-nos o medo:
- Tens que estudar se queres ter um futuro.
- Tens que arranjar uma mulher/homem se não quiseres morrer sozinho, sem ter ninguém para cuidar de ti.
- Tens que ter um trabalho para poderes pertencer à sociedade.
- Tens que conviver para poderes ter amigos e te sintas integrado.
- Tens que estar informado para que possas discutir assuntos da actualidade com os outros.
- Tens que gostar desta banda, daquele desporto, daquele filme, daquele programa de televisão para que não te sintas de parte.
Temos que fazer todas estas coisas para afastar o medo. E quando não o fazemos, porque não nos interessam as consequências, vemos gestos de reprovação e ouvimos discursos de condenação. Por não termos medo. Ou por simplesmente não nos importarmos. No entanto, numa coisa ou outra, e considerando que não somos completos forasteiros, o medo acaba por ser sempre o senhor. Porque quem nos incute o medo, também o teve em si incutido, sendo apenas mais uma peça numa engrenagem que tem tendência para se perpetuar.
O medo é útil, para nos protegermos, para termos algum cuidado com os nossos objectivos, para não nos perdermos e tenhamos sempre um pé assente no chão. O problema é quando o medo é usado contra nós e não temos confiança em nós próprios porque todas as nossas vidas nos disseram que tínhamos que ir aonde todos foram e vão se quiséssemos ser alguém. Tínhamos que procurar o sucesso, não aquilo que a nossa voz interior nos diz. Até que chegamos a uma altura em que não reconhecemos mais a nossa voz. Correcção, não a chegamos a conhecer, tal como as pessoas que nos criaram não conheceram a sua. Porque não é suposto fazer o que queremos, não é suposto fazer o que sentimos. Se assim fosse, não haveria necessidade de ter medo. Bastava sentir. Mas não é suposto sentir, não é suposto saber, é suposto manterem-nos adormecidos, e habituarem-nos a não questionar.
Até que chegamos a uma altura em que se está cansado de sentir medo, de não questionar, de não saber, de não sentir.
Tenho medo, por muito orgulho que me custe admitir. Medo de ser um fracasso, de não conseguir atingir os fins a que me propus. Medo de falhar porque fui criado num mundo onde o erro é punido, apontado, visto de lado. Queria estar num momento da minha vida em que não teria de ter mais medo, em que o conseguisse superar definitivamente. Por momentos, julgo que consigo atingir finalmente esse estado, mas noutros, tenho a dolorosa confirmação de que ainda me falta um pouco.
Apenas mais um pouco.