Há algo de engraçado como nós, portugueses, vivemos as
coisas. Digo nós, portugueses, porque é a realidade que conheço, minimamente, e
aquela onde estou inserido. Costumam dizer que somos um país de brandos
costumes, ou pelo menos, é essa a nossa imagem de marca. Será que corresponde
inteiramente à verdade? As reacções à derrota de Portugal é mais um exemplo de
como andamos nos extremos, seja da apatia seja da exacerbação idiota. Já vimos
este filme antes, não já? Uns anos atrás, no mundial da Coreia, quando a
selecção saiu do nosso país para estagiar para Macau, uma escolha nunca
totalmente esclarecida, o nosso primeiro ministro da altura – o tal que tinha
visto armas de destruição maciça no Iraque quando elas não existiam – mandava
um apelo entusiástico para a selecção, “tragam a taça, tragam a taça!”. A
selecção teve uma das piores prestações de sempre colocando as expectativas de
todos no lixo.
Não é só o futebol. Na verdade, o futebol é apenas uma
desculpa, apenas uma pequena amostra daquilo que somos. Peguemos na política.
Queixamo-nos do governo mas na hora de votar, a abstenção é sempre a
vencedora. Tudo bem, é um sinal do descontentamento com a classe política, dizem
alguns. Talvez. Existem sempre partidos que não têm hipótese de chegar ao poder
e que servem bem para mostrar o descontentamento fazendo uso do poder do voto.
Contudo, na hora de fazer alguma coisa, esperamos sempre que a situação mude
por nós e que tenhamos razão para continuar a criticar. E os que votam… votam
num partido (de poder) para nas eleições seguintes votar no outro partido (de
poder). A oposição deitou abaixo o governo de Sócrates por causa das medidas
que queria implementar para impedir a entrada da Troika. O governo que foi para
lá, da oposição, colocou em prática todas as medidas que foram vetadas em
parlamento e agravou-as como consequência da intervenção do F.M.I.. No entanto,
já ninguém se lembra do orçamento de estado que ditou a queda do governo. De
esquecimento em esquecimento, acreditamos naquilo que a televisão ou os media
nos diz e obedecemos como boas ovelhas para quando berrar mais alto ou nem
sequer berrar. Como ratos num labirinto, continuamos a seguir os pedaços de
queijo que nos deixam apenas num beco sem saída.
Voltando ao tema inicial, o futebol é bom para termos noção
desses extremos. Daqueles que falam quando a equipa dos outros perde e dos que
se calam quando a sua perde e ficando ofendidos pelos outros fazerem aquilo que
eles próprios fizeram pouco tempo antes, revelando a tal memória muito curta. É
o desporto rei, arrasta multidões, tem um efeito positivo nos jovens, unindo a
sociedade, embora também tenha também os seus lados menos positivos, como a
corrupção, o fanatismo e a violência causada por aqueles que o vêem como apenas
uma desculpa para se sentirem superiores aos outros, já que não o conseguem
fazer de outra forma nas suas vidas, preenchidas por pouco mais.
Toda esta questão serve apenas para dizer que nem o futebol
é a melhor coisa do mundo, nem é o anticristo. Nem o Ronaldo joga por 11, nem
devia ter ficado em casa. Nem somos os melhores do mundo, nem somos os piores.
O que o futebol é, tal como a política, tal como a arte, tal como as coisas
importantes, tal como as coisas frívolas, tal como tudo que seja passível de
causar paixões e ódios, algo que nos despe e nos revela tal como somos, para o
melhor e para o pior. E o que somos é desequilibrados. Bom senso é uma palavra
cujo significado cada vez nos escapa mais.
Vivemos demasiado as vitórias que ainda não conquistamos e
enterramos demasiado cedo os vivos que ainda não estão mortos. Esperamos
demasiado que as soluções que precisamos venham dos outros e não de nós próprios.
Que os problemas se resolvam por eles próprios. Colocamos demasiado as nossas
esperanças em felicidades momentâneas e condenamos ou colocamos em causa
rapidamente tudo o resto quando essas esperanças são beliscadas.
Se calhar os brandos costumes vem do facto de seguirmos a
corrente sem questionarmos se queremos sequer estar no rio.