Na última posta aqui, despejei um manifesto muito pessoal sobre o acto de mudar, na véspera de avançar para uma das grandes mudanças da minha vida - e assustadora - e agora quero falar sobre aquilo que acontece depois de começarmos a mudança. O que é que muda realmente? O mundo acaba? Começamos a voar por nos sentirmos tão leves? Estamos iluminados e atingimos a felicidade eterna enquanto estamos cá, na Terra? O exagero atrás serve para mostrar o exagero do medo. Temos tanto medo que nos impede de avançar, de tentar, porque só entendemos extremos. Só reagimos ao tudo ou ao nada. Não conhecemos o equilíbrio, não sabemos o que é isso, porque também não é isso que nos ensinam durante toda a vida. Não culpo os nossos pais, coitados, tão ou mais vítimas que nós de uma sociedade que quer consumo e igualdade, estupidificação para não haver contestação, para que aceitemos aquilo que está na mesa, aquilo que nos é empurrado pelos sentidos abaixo e adentro.
O que é que muda depois da mudança afinal?
Quando decidimos que já estamos fartos do tudo ou nada, quando já não conseguimos aguentar o histerismo e a futilidade do que os mass media considera importante e quando nos desligamos de tudo e de todos, o que é que muda?
Nada.
Porque o desequilíbrio está dentro de nós. Não adianta procurar o equilíbrio fugindo das pessoas, dos empregos ou seja do que for quando por natureza temos algo que nos desequilibra, algo que nos inquieta, que nos irrita. Raiva, mágoa, dor, inveja, tristeza, depressão. O problema não é do mundo, o problema é nosso. O mundo apenas é aquilo que fazemos dele e o que fazemos dele é uma fábrica trituradora de ossos e carne daqueles que não aguentam o ritmo. Sem tempo para pensar, sem tempo para sentir, sem tempo para nós, para os que amamos. Sem tempo... para viver. E para quê viver? Trabalhar até à exaustão, não conseguir fazer mais nada depois de nove, dez, onze, doze horas fora de casa. Chegamos a casa ao nosso refúgio e afogamo-nos no facebook a ver pedaços da vida dos outros ou fazemos zapping, a passar de canal em canal e a não conseguir parar, porque nós não fomos feito para programar. A vida corre muito depressa, e corremos o risco de a ver passar ao lado.
O que não nos disseram é que não é por corrermos atrás da vida que ela não é desperdiçada. A vida é vida. Não há manual, não há certos e não errados. Não há uma legislação, não há sucesso e não há fracasso. Ainda assim insistimos em seguir de forma obediente as regras que nos são instruídas, o controlo que diz que devemos fazer isto ou aquilo, a trocar o tempo por dinheiro que já gastámos antes de o receber e a ficar cada vez mais endividados até não termos mais tempo, nem dinheiro e nem saúde.
Depois da Mudança, ficamos nós. Sem guias, sem orientações. Apenas aquilo que sentimos e achamos correcto. É assustador, é libertador. A diferença é que agora, só nos podemos culpar a nós próprios mas antes isso do que estar sentado no sofá a dizer mal da vida porque temos o mesmo emprego há vinte anos e nos sentimos esgotados, escravizados, sem energia, sem vida, porque apenas fizemos o que nos disseram que era suposto fazermos.
A única coisa que é suposto fazermos é viver, sabendo que não é preciso chegar a um ponto de esgotamento nervoso para sabermos que precisamos de paz nas nossas vidas ou que não é preciso nos entupirmos de comprimidos para dormirmos o dia todo para que dar valor a sermos activos, a correr, a fazer exercício. Não precisamos de muletas e não precisamos de mudar o que somos, apenas temos que mudar aquilo em que nos tornaram, aquilo que nos deixámos tornar.
E aí seremos nós próprios pela primeira vez em muito tempo.